Lodo
Vem vindo devagar, lenta e penetrante, líquida e envolvente. Te toca pelas mãos, pelos poros, te faz respirá-la a plenos pulmões. Quando te dás conta, não há mais como escapar, já se torna um apêndice vital dos teus pensamentos, de todos eles. Não te deixa vagar, te faz quase imóvel, te torna uma massa amorfa de digressões sem objetivo, de um sem fim de desilusões. Não é engatilhada por nada em específico, se torna tudo, se torna o teu sono, tua insônia, tua fome e o gosto azedo da comida. Te transforma em escravo do teu desespero, de alucinações e distorções do destino, do passado, das escolhas. Não sobra nada. Afunda-se no lodo. Se destrói o teu castelo, tua leveza, teu âmago. É implacável e jamais te abandona. Se torna parte do dia a dia e te traz os questionamentos, as mesmas perguntas, aquelas que te consomem e que só a tua própria voz pode perguntar. É a sua face obscura, sua única face, sedutora e infiel. É a minha face.