Vidas Possíveis

Uma noite, como num sonho, mas de forma muito mais real que em uma aventura onírica eu vi mais que meu futuro: eu vi meus presentes. Ao lado do que eu sou eu vi o que eu não fui. Já velho eu vi a mim com cada um dos meus amores, uma porção de famílias diferentes, filhos, filhas, netos, netas, agrupamentos familiares totalmente distintos entre si tendo em mim a única constante. Logo se aproximaram umas quantas outras pessoas que configuravam minha vida de casado com aquelas que nunca amei. Vi frutos de relacionamentos frustrados, quase tão velhos como eu, decorrências de gravidezes indesejadas que nunca ocorreram. Me vi nas mais diferentes profissões, me vi gordo, me vi magro, me vi feliz, me vi inapelavelmente triste. Me vi em formas quase irreconhecíveis, me vi em cadeiras de rodas e me vi em espíritos de mortes prematuras.

E lá eu. Vivo. Segurando a mão do caos e dessa infinidade de minúsculas decisões que sejam e que nos afastam dos milhões, bilhões de possibilidades que se desenharam, que nos foram expostas aos borbotões e que foram negadas muitas vezes inconscientemente. Eu, velho, era o fruto de uma seleção do universo e também minha. Uma resultante da complexidade e da incapacidade de previsão de qualquer coisa. Me vi em vidas admiráveis e também deploráveis. Fui o vencedor de mim mesmo em uma corrida sem troféu, sem as lembranças de tudo que poderia ter sido e jamais foi.

Se sair do quarto agora, irremediavelmente alterarei os rumos não de uma vida, mas de várias, de todas as que eu cruzar e até mesmo as que eu sequer conhecer. Incrível, incrível o entrelaçamento de vidas, de histórias, de influências. Tanto que se reconhece como pontos de bifurcação e muito mais que jamais se perceberá a devida importância. Um segundo, às vezes menos, invariavelmente modifica radicalmente todos os rumos do universo, de uma centena, de um milhão, de um sem número de vidas. Não há plano, destino e tampouco posso crer no livre arbítrio tal a limitação que temos para entender tudo isso, do que concluo que nada mais somos que barquinhos de papel flutuando sobre um imenso oceano retalhado de correntezas e intempéries. Nosso poder de decisão tende à nulidade dada a impossibilidade de avaliação a priori do que foi, do que poderia ter sido, do que de fato não foi.

E eu perplexo perante o que fiz. As escolhas certas, as erradas, as não-escolhas, todas diante de meus olhos agora. Entendo o significado de arrependimento, mas o que me resta senão sorrir?

Volto a dormir com orgulho de toda uma vida. E fecho meus olhos pela última vez.

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