Trivial


Sempre começa de uma forma trivial. Um diálogo como qualquer outro, mais um dia que não parece carregar o mais ínfimo traço de unicidade. Não há aviso ou indício do que virá, do inevitável arrependimento de se sentir vivo. Arrependimento de ter escolhido, arrependimento de ter sido escolhida. É aquele que cultiva seus hábitos, suas rotinas, que se preocupa com o horário, ignorando o destino que já se desenha em uma infinidade de ocorrências pregressas, as quais não controla, as quais desconhece. Segue o seu cotidiano para não enxergar o final do dia. Quantas vezes ao longo de tudo isso não morremos? Deixamos pedaços do nosso ser, memórias que guardamos com carinho, perde-se tanto pelo caminho que me pergunto se há algo mais fatal do que estar aqui. Respirando. Apenas isso e nada mais. E dói. Por deus, como dói! Queria ter forças ao menos para me desesperar, para sentir qualquer outra coisa que não fosse essa insuficiência intrincada e cada célula do meu corpo. Queria poder gritar e que esse grito me tirasse o ar e me fizesse deixar de respirar. Queria poder desmaiar e sonhar que isso é tudo um sonho, um pesadelo, que não é real. Escolheria até que fosse tudo isso uma aventura onírica e que minha carne nunca tivesse existido de fato. Queria poder não acordar, ou acordar em outrem, alguém que não compartilhe da minha ruína. Seria eu a culpar? Talvez seja mais digno, mais humano que ser alvo de comiseração. Quiçá poderia eu ser a vilã, encontrar um motivo e uma origem para o fardo que tenho que carregar. Qualquer coisa, qualquer opção me faria sentir menos incompleta. Mas não é assim, eu sei que não é. É mais um coração partido e despedaçado, mais uma representação dantesca da tristeza existencial à qual estamos todos fadados. Há esperança no que eu digo? Há esperança no que eu acredito? Se é que ainda acredito em algo. Foram tantas as expectativas, como foram as expectativas de tantos outros antes de mim, como serão aquelas de muitos que virão. Talvez um dia eu venha a me alimentar dessa dor, mas hoje é ela que se alimenta de mim e não sei o que restará, juro que não sei. Mas tudo isso começou como um dia qualquer, como a mais trivial das conversas. Se eu pudesse saber, se eu pudesse ter antecipado, me preparado. Mas não é sempre assim? E me resta pouco mais do que esperar, lamentar e seguir. Virá, eu sei que virá. Virá o momento em que terei absorvido tudo isso, toda essa dor, e a tornado parte de mim, simbioticamente convivendo com alegrias e tristezas vindouras. E sem esperar, sem saber, sem notar, virá o dia em que despertarei mais leve, mais viva. Será numa manhã trivial, sempre é, e talvez eu leve um tempo a notar. Não será assim que te esquecerei, nunca te esquecerei. Mas será sem perceber que tua importância se esvaecerá para nunca mais voltar.

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