Sobre o que se sente

2 horas da manhã e uma infinidade de sonhos despertos. Recheado de uma esperança que perambula pelos limites da razão e da magia infantil, toma sua caneta e se põe a escrever. 10 mil milhas de solidão, 10 mil anos de um coração partido se desmanchando sobre uma folha de papel. E nada.

Remete seu sentimento aos mais incríveis e épicos contos, mas as palavras que lhe saem são medíocres e incapaz de conduzir o mais sensível leitor a qualquer coisa que não a ampla indiferença. Sentimento que transborda, que jorra em cada ato seu. E da ponta da caneta, nada.

Transtorna-se em tal incapacidade. Embriaga-se. Dorme. Desperta. Vive angústia de um amor que lhe consome em cada simples gesto e que jamais será transmitido, morrerá um pouco a cada dia (como há de ocorrer com qualquer amor) e será definitivamente esquecido, apagado, desimportante. Gerações e gerações virão e amores triviais serão comparados àqueles diferentes, grandes, majestosos, pela total inabilidade do amante em transmitir pela pena o que lhe consome.

O verdadeiro amor ocorre dentro do que ama. Não há interação, química ou inevitabilidade que possibilite que ele exista naqueles que não estão preparados, treinados e dispostos a tornar o amor seu objetivo máximo na vida. O que realmente ama, ama a idéia, a representação, a possibilidade de um ser, não perfeito, mas capaz de entender e respeitar tudo o que sente.

O que ama perde tudo. Perde a coragem, vive com o medo da perda, envolvido em um mar turbulento de confiança e ciúmes, se abstém do resto, vive quase que profissionalmente para o sentimento. Sente com intensidade vez ou outra dolorosa, estúpida, ilógica e impossível de ser contida.

O que ama pode ser o mais imbecil ou o mais sábio dos seres. Mas jamais terá felicidade perene. Viverá em turbulências infinitas de desespero e êxtase. Verá a profundidade da mais terrível depressão se tornar em euforia na iminência de um novo amor, quando da perda. Quem realmente ama se importa em não se importar. Mas vive e faz de cada segundo um templo de adoração à arte de sentir.

E desiste de escrever. Insone, sonha e deixa acontecer. Seus "para sempre" guardam pouco sentido se é que algum. Vê no teto o espelho do momento: inerte, sem sentido. Desmaia para acordar para mais um dia da tortura de sentir. E de viver.

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