Nuca


Eu sinto o cheiro o cheiro da tua nuca. Eu sinto o peso de todas as minhas contas. Eu sinto medo pelo meu atraso, mais do que temo pela minha vida. Já não sei o que é ser humano. Eu vivo por reações, minha iniciativa é nula. Sou empurrado por todos os lados. Tu és empurrado tal qual. Somos todos uma multiplicação do mesmo, uma massa amorfa e imprensada contra paredes, contra obrigações, contra os deveres. Meu despertar somente encontra a madrugada, meus movimentos são os de um autômato. Estou aqui preso junto a ti, estou em todos os lugares encarcerado. Quando fecho meus olhos não há uma realidade alternativa a qual imaginar. Sou o habitante, somos habitantes, de um deserto de vida, reproduzindo gerações, nos reproduzindo infinitamente. Para mim, para ti, o amanhã parece um recurso poético, vivemos debaixo do teto de um hoje eterno, de um agora que não acaba. Perdoo a sua transpiração fétida, perdoe a minha. Não há para onde escapar, nunca há. Há muita discussão em torno de nosso rebanho, reses que somos, partículas de indicadores em um mundo no qual coadjuvamos. Não há solução. Deixa-me sair! Mas somos dois que perdemos a força de gritar. Somos, unidos, um retrato da desesperança.

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