Coisas que eu já escrevi

“E ele acordou. Já não era mais dez horas da mahã, sequer onze. Despertara já durante a noite. - Malditos cadáveres!- resmungou o pálido Carlontônio (uma das inúmeras variáveis de Antônio Carlos criadas nos interiores brasileiros). Levantou-se e foi até a cozinha. Preparou o resto de fígado da sua namorada que deixara na prateleira para o desjejum. Tinha sede e entornou alguns goles daquela vodka podre que encontrara sabe-se lá onde. Podia ouvir ainda os gritos e sentir as unhadas da sua namorada enquanto ele a desmembrava viva. - Cadela...-pensava- Quero ver agora se ela ainda pode me manipular de dentro daquela mala - ela a esquartejara e havia guardado seus restos não passíveis de virar janta numa mala e a enterrara no jardim dos fundos. Mas ela ainda exercia controle sobre ele. Sua voz ainda ecoava na casa e o calor consumia Totonho em desespero. A podridão era já insuportável e o ato de espantar as varejeiras já cansava o braço exaurido do nosso anfitrião.

Bombas destruíam a cidade. O mundo já não era mais o mesmo, era como se uma nuvem de enxofre houvesse coberto a existência humana. Matar a namorada...isso nem era mais considerado crime em tempos como aquele. Ele tentava aliviar a dor vendo uma reprise de Armação Ilimitada mas o fedor de corpos humanos sendo queimados o impedia de se tranquilizar.

Foi-se o tempo da esperança. Da religião. Do amor. Foi-se o tempo como conceito. Restou uma eternidade estática que já não admitia o homem sob seus domínios e tratava de eliminar os últimos remanescentes.

Não por culpa. Nem por desespero ou algo incontrolável. Foi sim com muita calma que nosso personagem se dirigiu ao quarto e alojou uma bala no seu lobo cerebral direito. Podiam precisar da sua carne, pensou. Ele finalmente havia encontrado um sentido para sua vida. E morreu feliz."

Comentários

Luciano Pyw disse…
Publicar textos de própria autoria recebidos por e-mails nostálgicos dos amigos vale agora?

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