O Esquecimento

Da sua janela podia ver o mundo. Não era um grande mundo, é verdade. Uma rua, algumas casas podres por dentro e reluzentes por fora, outras perdidas do direito e do avesso. Ao lado, um muro cinza que encobria as traquinagens da meninada e tinha há dias uma escada parada em frente.

Wolfgang, para não ficar sem nome o velho observador. Austríaco, veterano de algumas guerras, a maioria pessoais, uma mundial. O homem tem em seus retratos o refúgio da saudade e ao contemplar seu passado, este europeu se assegurava não saber quem era.

Quantas cidades, quantos medos, quantos amores mentira ter conhecido. Acreditava ser um assassino, mas as medalhas na parede o proclamavam herói.

- Herói da vilania - murmurava o velho em meio a baforadas imaginárias de um cachimbo há muito vazio.

Sair de casa era um luxo do qual Wolfgang preferia não desfrutar, preferindo não correr o risco de voltar a se sentir humano.

Há anos não comia, não respirava e não piscava. Mirar as almas perdidas na rua era o que saciava sua fome. Tanto se pode fazer em uma vida. Tanto bem, tanto mal, tanto nada.

Nunca recebera uma visita. Difícil descobrir se sua porta seria aberta novamente. Mas Wolfgang sabia que estava em seu túmulo e não em menos do que oito séculos alguém o encontraria.

- Tarde demais - mais uma baforada - Jaz comigo o segredo da felicidade.

Mas era um velho tolo, não lhe prestem atenção. Somos todos iguais a ele e como não ser? Cremos ser o centro do universo. E não tão errados estamos: Somos o centro do nosso próprio. Morremos e ele desaparece, fadado ao esquecimento desde seu surgimento.

Comentários

Unknown disse…
Российский стиль рассказов... Я не знал, что Вы были австрийцем...

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