Cachorro-quente no Parque

Junho de 2005

"Vida

Ontem por volta da meia-noite eu estava sentado em um boteco, ouvindo Creedence e os resmungos do Cainelli, vendo umas partidas de sinuca de baixa qualidade, completamente bêbado e com a garganta ardendo devido ao consumo excessivo de cigarros e tentando secar meu isqueiro que havia caído no meio da minha caipirinha.

E cheguei eu a uma conclusão? Não, conclusão nenhuma. E por que escrevo, então? Acho que porque eu desisti de encontrar uma explicação pras coisas e um sentido pra tudo. Desisti de professar ensinamentos e experiência de vida. Eu não tenho experiência de nada, sou um aluno tímido na primeira série da vida, em um colégio gigantesco, no qual ninguém me conhece.
Porém, não me abstenho das críticas. Gosto de estabelecer comparações de cunho pejorativo entre as pessoas e a sua relação com o Universo que as circunda. Nada contra ninguém em especial, é só uma questão de passatempo.

E a vida não passa nunca. A gente vive dia após dia, sem que aconteça nada de interessante, sem uma paixão flamejante, sem uma aventura que desfaça as diretrizes da sociedade vigente. Aí a gente descamba pros livros ou pros filmes. Acabamos nos proclamando cultos pelo fato de viver através de personagens as peripécias que devíamos estar correndo atrás, de viver em um romance, o romantismo que evitamos desde o primeiro coração partido e as críticas. Ah! as críticas...Tomamos emprestadas de Nietzsche, Cervantes, Erasmo e todos estes caras, as críticas que deveriam ser feitas por nós e que pelo nosso comodismo são direcionadas a nós. Apontadas como uma arma e disparadas sem perdão numa carne inerte, recheada de "cultura" e vazia de vida.

Pensamos e logo deixamos de existir. E foda-se Descartes se ele pensa o contrário. Permanecêssemos imbecis, seríamos capazes de produzir autobiografias muito mais interessantes que as que estão à venda nas livrarias, ainda que fossem escritas em códigos tribais ou em sinais de fumaça.

Não somos o que podemos ser. Não somos nada. A humanidade é eu e o Cainelli, bêbados, apreciando uma parede vermelha de um bar numa noite de terça-feira, discutindo bobagem e falando sobre o quanto incerto é o futuro.
A humanidade não é nada. Pior que pensar, a nossa raça pensa que pensa, finge que pensa e em vez de deixar de existir de uma vez, ela encena uma desaparição, uma degradação, um fim.

Não há nada senão um trago na terça-feira.


Ubyrajara Calamy, el Sendero de Manágua

Ps: Este devia ser um texto feliz. Este não é um texto triste. É um texto. Revolucionário? Texto. Apenas texto, nem "um", nem "o". Só texto."

Comentários

Luciano Pyw disse…
Como é bom voltar a ler algo do Bira! Depois de alguns meses publicando textos requintados, pedantes e até presunçosos, Bruno Fischer nos presenteia com dois ricos posts cheio de vida, opinião, sentimento...
Efim, um texto que realmente demonstra o que passa na cabeça dele e nos impacta. Muito melhor que textos que impressionam o TABORDA.

Postagens mais visitadas deste blog

Lodo

Juras à Barba Eterna e outras promessas a deuses